Seja por economia, preocupação com o meio ambiente ou, em alguns casos, busca por peças retrô e exclusivas, itens de segunda mão têm ganhado cada vez mais espaço nos guarda-roupas. De olho na clientela da “garimpagem”, brechós tradicionais ganham adeptos, enquanto passam a dividir espaço com novos pequenos negócios do setor e investimentos de grandes varejistas na área.
As mudanças de comportamento na hora de renovar o guarda-roupa acompanham substituições feitas em outras áreas, em meio à carência que atinge diferentes setores da economia. Apesar da deflação de 0,36% registrada em agosto — que levou o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) a 8,73% no acumulado de 12 meses —, o setor de vestuário ficou mais caro. A alta foi de 1,69% no mês, com crescimento de 11,62% desde agosto do ano passado.
Nesse cenário, uma pesquisa feita pela consultoria britânica GlobalData mostrou que o mercado de roupas de segunda mão já cresce mais do que o varejo geral em todo o mundo. O levantamento projetou um avanço de 127% no setor até 2026, com crescimento até quatro vezes mais rápido do que o do varejo de moda geral na América do Sul.
O levantamento apontou até que 63% dos consumidores escolhem itens usados pelo preço mais em conta, e outros 25% dizem que pensam em comprar mais roupas de segunda mão se os preços continuarem subindo.
Outra pesquisa do Sebrae, com dados da Receita Federal, mostram que, entre 2020 e 2021, a abertura de estabelecimentos especializados em usados teve um crescimento de 48,58%. No Rio, segundo o Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município (SindilojasRio), são 171 brechós, distribuídos principalmente pelos bairros do Centro, Copacabana, Botafogo e Tijuca:
— Há uma tendência de crescimento no setor no Rio, não só em função da crise, mas também pelo crescimento de um consumo mais sustentável — avalia Aldo Gonçalves, presidente da entidade.
Ourives de formação, a empresária Lu Karini, de 50 anos, está há sete à frente do 21 Brechó Arte, na Tijuca, e viu o movimento aumentar, principalmente na pandemia. O espaço ainda abriga um coletivo de pequenas marcas, um curso de pintura e desenho e um brechó infantil. O local vende principalmente roupas contemporâneas por consignação, onde o pagamento fica 50% para a loja e 50% para o fornecedor:
— Tivemos um aumento na procura no último ano. A mentalidade está menos preconceituosa. Mudou o perfil de consumo e o olhar. É um caminho que vem melhorando. As pessoas estão aderindo ao brechó e perdendo a vergonha. Escuto clientes dizendo que não conseguem comprar mais nas lojas tradicionais.
Tecnologia ajuda do grande ao pequeno
Para a Karine Karam, professora de Pesquisa e Comportamento do consumidor da ESPM, além da inflação que aperta o bolso das famílias e impulsiona mudanças nas compras, outro motivo por traz do crescimento do setor é o excesso de produção no mercado de vestuário e a demanda por hábitos mais sustentáveis por parte dos consumidores.
— A sustentabilidade é uma preocupação global que vem crescendo nos últimos anos. A gente não vai dar conta de continuar consumindo do jeito que está, então os consumidores estão abrindo os olhos para o impacto ambiental e vendo que esse modelo traz benefícios — analisa.
Karam também lembra que a facilidade de consumo trazidas pelas plataformas digitais também impulsionam o comércio de segunda mão:
— (Antigamente) Ainda que eu quisesse comprar uma roupa usada, eu não tinha acesso a isso. Tinha acesso aquele brechózinho de bairro, com cheiro de naftalina. Com crescimento das plataformas digitais, isso cresce enormemente, e chega melhor ao consumidor.
Muito através da tecnologia, essa expansão do mercado alcançou também as grandes varejistas de moda, que já registram bons resultados. A Renner, por exemplo, comprou a Repassa, plataforma on-line de compra e venda de roupas, calçados e acessórios usados, em 2021, e calcula o dobro de crescimento no site em um ano.
No site, há peças de diferentes marcas, que antes de serem comercializadas passam por um processo de curadoria e controle de qualidade. Os clientes podem vender itens que não usam mais e ganham um percentual sobre as vendas, que pode ser sacado via transferência bancária, usado como crédito no site ou ainda doado para ONGs parceiras. Desde a fundação da marca, R$ 10,8 milhões já foram pagos a quem vendeu itens e 187,6 mil peças já foram doadas para projetos sociais.
— Todo o processo de avaliação física, precificação, fotos, manipulação, anúncio e entrega é feito pelo Repassa, o que gera menos trabalho ao vendedor — explica Tadeu Almeida, fundador e CEO do Repassa.
A entrega das peças para venda pode ser feita pelos Correios, mediante pagamento de R$ 24,99, ou ainda em uma das lojas da Renner. Por enquanto, o serviço está disponível em unidades da marca nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Grande do Sul e Bahia. Cada sacola pode conter até 30 itens.
Também com ajuda da tecnologia, pequenos empreendedores também têm entrado no mercado e feito dinheiro pela internet com produtos usados. A estudante Beatriz Rodrigues, de 20 anos, criou o perfil Abrechonada em 2020, enquanto as aulas do colégio estavam suspensas por conta da pandemia. Moradora de São Cristóvão, na região central do Rio, ela conta que a ideia surgiu depois de vender nas redes sociais peças próprias que estavam esquecidas no guarda-roupa.
Beatriz cuida de todas as etapas do trabalho da marca. As peças são escolhidas após muito garimpo em brechós tradicionais de diferentes pontos da cidade, como a Feira de Antiguidades da Praça XV, e também em bazares beneficientes de igrejas. Depois, cada item passa por uma cuidadosa limpeza: as roupas são lavadas à mão, respeitando o que determina as indicações de lavagem da etiqueta, e as manchas são removidas. Depois, tudo é passado e fotografado. Ela mesma é a modelo da loja. A partir daí, as peças são cadastradas no site e divulgadas nas redes sociais.
— Vendo aquilo que gostaria de comprar. A Abrechonada acabou agrupando causas que eu acredito. Evito comprar tecidos sintéticos, que agridem a natureza e levam centenas de ano para se decompor, por exemplo. A ideia é estimular o consumo consciente e evitar impulsos — conta.
Enxoval de segunda mão
O mercado impulsiona até modelos de negócios especializados, como os brechós focados em itens para crianças e bebês, como o Desapego Mania, que divide o espaço do 21 Arte. A rede Cresci e Perdi é outra marca e já tem 29 lojas no estado do Rio.
Já a paulista Arena Baby, fundada em 2015 no ABC Paulista, tem quatro lojas próprias e outras 24 franquias em cinco estados. No Rio, a unidade de Campo Grande abre no dia 15, quando os consumidores poderão vender os produtos que não são mais usados. A inauguração está prevista para 7 de outubro. Uma outra loja deve ser aberta nos próximos meses na Freguesia.
As lojas comercializam desde calçados e acessórios até brinquedos e itens necessários nos primeiros anos das crianças, como carrinhos, cadeirinhas para carro e até bombas extratoras de leite e babás eletrônicas. Os itens mais vendidos, no entanto, são as roupinhas.
Qualquer cliente pode levar os itens até uma das unidades da marca. Cada produto passa por uma avaliação e recebe uma oferta, que pode ser em dinheiro ou em crédito na loja.
— Nesse caso, o valor pode chegar ao dobro do valor em dinheiro, e 90% acabam optando pelo crédito. O perfil é muito de famílias buscando “trocar” as roupas dos bebês, que estão em fase de crescimento. É um processo mais vantajoso. Juntamos o fator socioeconômico, já que os preços são menores, com o consumo consciente — defende.
Fonte: Jornal Extra